Texto do Advogado Claudio Dalledone Junior, publicada na pagina do escritório Dalledone & Advogados Associados. Confira na integra:
Hoje venho aqui para falar do descontrole e da ânsia por likes nas redes sociais. Vida líquida, já diria o grande sociólogo polonês Zygmunt Baumann que estudou com profundidade o comportamento dos indivíduos nas redes sociais.
Atuando na defesa dos irmãos Vargas, denunciados pela morte da jovem Isabelly Cristine, de apenas 14 anos, pude finalmente perceber como alguns meios de comunicação têm se comportado diante da audiência das redes sociais em casos de grande repercussão.
Uma emissora de TV de Paranaguá, em especial, me chamou atenção. Chamou não pelo jornalismo ético e comprometido com a verdade e ampla defesa, como é de praxe nas emissoras sérias. Despertou meu interesse pela forma agressiva e desesperada que construiu sua cobertura jornalística. Foi algo fora dos padrões do jornalismo moderno, confesso. Me lembrou o jornalismo do século passado, aquele que inspirou livros clássicos como “A Sangue Frio”, ou filmes emblemáticos como “A Montanha dos Sete abutres”. Me lembrou os tempos de jornalismo “espreme que sai sangue”. Só que com o agravante de cooptar audiência raivosa nas redes sociais.
Likes de sangue e compartilhamento de lágrimas eu chamaria essa cobertura promovida pela emissora de Paranaguá. Eu sou um apaixonado pela imprensa! Sou um estudioso e um amante do jornalismo, que fique claro. A imprensa, a boa imprensa, tem um trabalho importantíssimo nesses casos. Traz luz aos fatos, as versões, mas faz isso sem juízo de valores, sem justiçamento, sem repórter achando que é promotor e apresentador achando que é juiz. Jornalismo é informar com isenção, todo resto é publicidade ou manipulação.
Há 25 anos advogo em casos de grande repercussão. Sempre digo que o advogado criminalista odeia o pecado, mas ama o pecador. Ele defende a pessoa e não seus atos. Todos, absolutamente todos têm direito a defesa e a um julgamento justo, não um linchamento público. Muito menos um linchamento por bastiões da justiça nas redes sociais. O medo líquido se propaga e causa danos graves na sociedade. Pesquisem sobre esse mal.
Por mais de dez dias eu e minha equipe trabalhamos intensamente neste caso, como sempre fazemos. Atendemos a imprensa, lidamos com todo tipo de pergunta e abordagem. Porém o que nos estarrecia era a agressividade e falta de imparcialidade da emissora parnanguara . Era nítida a intenção daquele amontoado de ofensas e palavras de baixo calão.
Tudo que era transmitido na TV, era reenviado, ou transmitido ao vivo mesmo, pelas redes sociais. O espetáculo da dor ao vivo, em tempo real. Desesperados por uma audiência de verdade, atacaram exaustivamente os dois acusados. Usaram e abusaram da imagem da jovem morta, da mãe chorando, afinal bastava postar “Isabelly” que a página “bombava”.
Likes de sangue que geraram engajamentos de dor e sofrimento e por fim retornaram em “merchan” para o cofre da emissora e ódio para a sociedade. Inventaram até um jornalismo investigativo, um jornalista investigativo, inventaram antecedentes criminais, criaram um circo para continuar rendendo likes de sangue e audiência de lágrimas. E o pior… continuam fazendo isso. Espreme que sai sangue, o jornalismo brutal, antiético e abusivo ainda respira em terras parnanguaras. Felizmente, é a minoria, mas existe.
Meu máximo respeito a todos os jornalistas sérios que atuaram nesta cobertura, inclusive os jornalistas sérios de Paranaguá que buscaram a notícia para informar e não para gerar likes de sangue e compartilhar lágrimas das famílias envolvidas nesta tragédia.
Claudio Dalledone Junior
Advogado Criminalista
OAB-PR 27.347sociedade de advogados
OAB-PR 1.528Membro da Comissão de Advocacia Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná