“O que você pensa sobre bater para educar?” A pergunta, à primeira vista simples, carrega uma densidade que atravessa gerações. Foi a partir desse questionamento que nasceu o documentário Educar e Castigar, da socióloga Angélica Ripari, exibido no domingo, 13, no auditório do Aquário Marinho de Paranaguá. A sessão reuniu dezenas de espectadores em uma experiência audiovisual íntima, crítica e, acima de tudo, necessária. O filme convida o público a refletir sobre uma prática ainda naturalizada e frequentemente silenciada no cotidiano de muitas famílias brasileiras: o uso da punição física como ferramenta de formação.
Gravado integralmente em Paranaguá, o documentário reúne imagens do cotidiano da cidade — trens, caminhões, navios, ruas e vilas — com relatos de moradores e de pessoas privadas de liberdade, em uma costura sensível que revela as raízes históricas e sociais da violência como ferramenta de controle e domesticação. A proposta do filme é provocar a escuta e o diálogo em torno de um tema que atravessa gerações e que ainda se mantém presente, apesar dos avanços legais e das campanhas de conscientização.

“A pergunta que move este trabalho é simples e, ao mesmo tempo, perturbadora: por que ainda aceitamos bater como forma de educar?”, questiona a roteirista e diretora Angélica Ripari. “Ao ouvir diferentes vozes, de dentro e fora dos muros, o documentário revela o quanto a violência é um traço estrutural da nossa formação social e afetiva”, diz.
A produção é da Carretilha Filmes e foi viabilizada com recursos da Lei Paulo Gustavo, por meio do Ministério da Cultura. O projeto foi contemplado pelo Chamamento Público nº 018/2023 da Prefeitura de Paranaguá, com execução da Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio Histórico, e prevê exibições em escolas estaduais da cidade. O filme conta com versões acessíveis em Libras e legendas, ampliando seu alcance e compromisso com a inclusão.
“Não é sobre respostas, mas sobre escutar histórias”
Durante a exibição, o público pôde ouvir vozes como a da própria Ripari, que comentou o processo de criação do roteiro e a escolha por uma abordagem aberta e dialógica. “A gente não queria impor uma resposta. Queríamos provocar uma reflexão coletiva. Perguntar sobre a infância de alguém é abrir um portal, e esse portal revela muito mais do que fatos: revela memórias, afetos e traumas que moldam quem somos e como educamos”.
Segundo ela, todas as entrevistas foram feitas com pessoas que vivem em Paranaguá, incluindo detentos da Cadeia Pública. A cidade não é apenas cenário, mas também protagonista. “O filme foi feito aqui, para as pessoas daqui. Trazemos imagens que fazem parte da nossa vida — o porto, o trem, as casas das vilas — e falamos de histórias que também são nossas”.
“Agressão não educa”
A parnanguara Joyce Cristina Cardoso, responsável pela captação de imagens do documentário, relata como o projeto foi transformador também para quem esteve por trás das câmeras. “Eu tive uma educação com agressão. Hoje meus pais pensam diferente, mas eu sei o quanto aquilo me marcou. Trabalhar nesse documentário me fez entender ainda mais que agressão não educa. Só machuca”.
Para o espectador Marcos Piantá, a exibição despertou lembranças da infância vivida no interior do Rio Grande do Sul, mas também reforçou a importância de romper ciclos. “Meu pai nunca bateu. Sempre conversou. Trouxe isso para os meus filhos e deu certo. O documentário nos faz pensar que quem bate, não está agindo com amor. E é o amor que educa. Ainda há quem defenda o castigo, mas é com ações como essa que a gente planta outra forma de pensar”, disse.

Ao abordar a herança da violência desde o período escravagista, quando castigos eram infligidos não por justiça, mas como técnica de controle de corpos úteis ao trabalho, o filme traça paralelos entre passado e presente. “Os relatos mostram como essa cultura do castigo se perpetua e se transforma em norma. E como isso precisa ser desnaturalizado”, reforça Angélica Ripari.
Ferramenta para escolas
Com uma linguagem acessível e uma abordagem profundamente humana, Educar e Castigar já foi exibido na Escola Bilíngue para Surdos Nydia Moreira Garcêz e será levado para dentro das escolas da rede pública estadual de Paranaguá. A proposta é justamente fomentar espaços de escuta, empatia e reflexão entre jovens, educadores e comunidade escolar. “Educar não é domesticar. É preciso romper com a naturalização dos castigos físicos, e isso só acontece com escuta, afeto e debate”, afirma Angélica Ripari.
Com informações da assessoria de imprensa