Ela
Depois de tantos anos de ausência, hoje nos encontramos naquela esquina. Obra do destino que nunca cansa de reproduzir os mesmos clichês.
Você continua um homem atraente e me olhou com olhos urgentes, apressados e desassossegados. Ainda não sabe disfarçar o que sente.
A boca que eu tanto beijei pronunciou um “oi” sem graça e com baixa sonoridade, praticamente um sussurro. Se eu tivesse me concentrado só na boca, teria feito uma avaliação errada. Mas desci o olhar para elas: as mãos. Elas sempre falaram mais que sua boca.
Estavam inquietas. Você as levou ao rosto para secar o suor que se fez na testa. Cruzou por alguns instantes os braços e, por último, enfiou-as dentro dos bolsos. Enclausurou-as para que não ganhassem alforria.
Do “oi” para o “tudo bem com você?”, somaram-se décadas dentro de segundos.
Não precisei de muito tempo para o diagnóstico: Eu ainda moro aí, dentro de você.
Eu não vou te confessar isso, mas você também mora aqui, dentro de mim.
Ele
Sei que está me investigando com esse olhar certeiro, afinal sempre foi uma mulher inteligente e me desarmou com essa ligeireza de raciocínio. Tenho absoluta certeza que descerá seus olhos para minhas mãos. Aliás, já estão nelas. Escondo-as para que não denunciem mais do que devem.
Continua linda! O tempo não passa para você? E esse decote? Seus seios sempre foram meu ponto fraco. Gasto alguns segundos olhando para eles. Fartos e arredondados. Não fosse o acaso do encontro, diria que você saiu de casa assim de propósito.
Esses seus olhos negros me fitando são um convite que eu hei de resistir. Mas a vontade mesmo é de arrastá-la para um encontro íntimo, em que mataríamos o desejo aprisionado por anos.
“Estou bem. Levando a vida”. O “levando a vida” saiu sem querer. Totalmente desnecessário. E já deduziu, pela minha falta de jeito, que basta a sua presença para que me desconcerte.
Não vou te confessar isso, mas é a mais pura verdade.
Orgulho
O orgulho é uma arma letal que costuma separar os casais.