A espionagem sempre existiu, quando grupos rivais se enfrentavam, ambos buscavam obter segredos do inimigo para garantir vantagem. Em 1864, com o início da Guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) contra a ditadura de Solano López, poucos imaginavam que o Paraguai pudesse infiltrar espiões no Brasil. No entanto, isso ocorreu, por meio de Camilo Gofredo, um italiano ou um paraguaio de ascendência italiana.
Gofredo circulava pelo país como um turista rico. Percorria os litorais do Paraná e de Santa Catarina, visitava cidades costeiras e ouvia conversas locais sem levantar suspeitas. Discreto e pouco comunicativo, parecia um viajante comum, embora, por vezes, se intitulasse coronel. Em determinados períodos, desaparecia, provavelmente para viajar a Montevidéu, de onde enviava relatórios à embaixada paraguaia, que os encaminhava a Assunção. Ao retornar ao Brasil, retomava sua missão, concentrando-se na costa sul.
Fisicamente, era alto, com um olhar perspicaz. Falava espanhol fluentemente, mas tinha dificuldades com o português. Seu comportamento reservado impedia suspeitas, até que, em setembro de 1865, o Marquês de Olinda, ministro do Império, ordenou sua vigilância. Gofredo foi capturado em Santa Catarina, confirmando-se seu envolvimento como espião paraguaio. Seu interesse pela costa sul indicava um plano estratégico de Solano López: conquistar parte do território brasileiro, garantindo uma saída para o Atlântico.
Esse projeto expansionista não era novo. Surgira dois séculos antes, nos tempos dos “Adelantados de Assunção”, que, aliados aos jesuítas espanhóis, planejavam expandir o Paraguai para o leste, invadindo terras que hoje pertencem ao sul do Brasil. Esse avanço só foi impedido pelas expedições dos bandeirantes paulistas, que garantiram o domínio da região para o Império Português. Caso tivesse êxito, López anexaria o Rio Grande do Sul ao Uruguai, alterando a geopolítica sul-americana. O próprio Uruguai teria de aceitar a inclusão da Província de São Pedro do Rio Grande, tornando-se um estado subordinado ao Paraguai e à vontade do “Napoleão guarani”.
Contudo, a história tomou outro rumo. O tempo passou e, 81 anos após a guerra (1865-1870), os antigos planos de conquista deram lugar a novas relações entre os países. Hoje, o Brasil busca aproximar o Paraguai de suas costas meridionais – não como inimigo, mas como parceiro comercial. Em vez de uma invasão militar, como Solano López sonhava, o Paraguai se insere pacificamente no comércio internacional por meio dos portos do sul do Brasil, exportando e importando mercadorias.
Ainda assim, é interessante notar o contraste entre os sofisticados métodos de espionagem modernos e o amadorismo de Gofredo. Aquele italiano magro, pálido e de barbas longas, que se fazia passar por coronel enquanto observava os portos brasileiros, talvez acreditasse estar desempenhando um papel crucial na formação de um império paraguaio. Seus planos, no entanto, foram interrompidos abruptamente quando o Marquês de Olinda ordenou sua prisão, pondo fim às suas atividades e frustrando qualquer tentativa do Paraguai de expandir suas fronteiras marítimas.
O episódio mostra como a espionagem pode influenciar a história, mesmo quando conduzida de maneira rudimentar.
Ref: NASC JR, Vic. O CASO DE CAMIL. Coisas Nossas, Pguá, v. 5, n. 1, p. 181, 1 jan. 1971.