As epidemias eram consideradas um castigo divino naqueles tempos de outrora. Foi, pois, um desses chamados castigos do céu que caiu sobre Paranaguá no fim do século XVII. Corria o ano de 1686, na simplória vila de Paranaguá.
Aproveitando com avidez o alegre veranico de maio, a justiça divina enviou uma severa punição a todos os seus habitantes, com a mais espantosa peste de que não há memória de outra igual. No Brasil as cidades mais atingidas foram Recife, Salvador, Cananéia e Paranaguá. Soube-se depois que o mal havia começado em Recife, devido a um tanoeiro que havia aberto algumas barricas de carne deterioradas vindas do sul. Esse mal, então, se espalhou com rapidez. Passada uma semana, estava em toda a capitania e, no fim de um mês, quase duas mil pessoas haviam morrido. Na Bahia, a enfermidade mortífera foi tão grande que, não havendo mais lugar no cemitério de Salvador, enterravam as vítimas nos pátios das igrejas que pararam de tocar seus sinos para não aumentar o terror na população.
Paranaguá foi cruelmente açoitada por esse terrível flagelo. O sopro da morte estendeu suas negras asas, parecendo querer consumir tudo. A “peste grande” como um novo mal deixou a medicina daqueles tempos impotente.
Na maioria dos casos, os sintomas eram ameaçadores e de forma aguda, violenta, abrupta, com febre alta, delírio, ânsias de vômito e fortes dores de estômago. Em outros, porém, surgia apenas um calor leve, seguido de pulso lento, retardado. Mas todos os enfermos sucumbiam, soltando sangue pela boca, com horríveis dores.
Chamavam-na também como “Peste da Bicha”, porque, ao darem aos doentes a bebida da “erva do bicho”, essa fazia com que as vítimas expelissem, nos vômitos e dejeções, uns bichos cabeludos, semelhantes às lagartas das hortas. Mesmo assim, as vítimas do tremendo mal não escapavam à cruel morte. As dores de estômago eram tão atrozes que os doentes, até o momento de expirar, não tinham um só instante de repouso.
Essa doença tinha sintomas similares ao “cólera morbus”, já conhecido naquela época.
A modesta Vila tornou-se, então, quase deserta. O povo, desorientado, sem saber o que fazer, num último recurso, recorreu ao patrocínio da Padroeira da Vila, tirando-a em procissão. Não se sabe se por milagre ou por obra do acaso, o certo é que, depois da passagem da Padroeira da Vila pelas suas desoladas ruas, a peste foi acalmando de intensidade, até desaparecer por completo.
VIANA , Manoel. A PESTE DA BICHA. Coisas Nossas, [s. l.], v. 5, p. 1-181, 1971.