Há alguns dias, ao assistir a uma entrevista em uma rádio local, deparei-me com uma frase que me atravessou como um vento cortante: “Temos de tirar a Paranaguá do passado.”
Mas esquecer o quê, exatamente?
Seria apagar da memória dos desbravadores que lançaram os alicerces do Estado do Paraná? Ou relegar ao esquecimento os mineradores que, ainda no século XVI, extraíram destas terras a primeira lavra de ouro enviada a Portugal? Talvez se pretenda silenciar o primeiro porto paranaense, que, muito antes do Alvará de 1808, já mantinha relações comerciais, sob autorização régia, com os países da Bacia do Prata.
Seria a Paranaguá — berço do Barão e da Baronesa do Serro Azul, de Júlia da Costa, Iria Correia, Visconde de Nácar, Nilo Cairo e tantos outros — que deveríamos esquecer?
Ou talvez aquela evocada nos dias do episódio do Cormorant?
Ou, ainda, a que viu erguer-se a epopeia da Estrada de Ferro Paranaguá–Curitiba?
Poderíamos gastar rios de tinta a enumerar os feitos e os personagens que moldaram a Paranaguá do passado — e, ainda assim, seríamos incapazes de abarcar a totalidade de sua grandeza.
Paranaguá, a mais antiga cidade do Paraná, repousa hoje sob camadas de asfalto, concreto e pressa. Suas pedras silenciosas, os sobrados inclinados sobre o mar, os primeiros gestos de fé e comércio — tudo isso ainda pulsa, embora abafado pelo ruído apressado da modernidade.
O que outrora fora o murmúrio das canoas cortando a água do Itibere, o fervilhar do comércio plenos de vozes e sonhos, hoje se dilui no barulho das buzinas, nas telas luminosas dos celulares, nos calendários repletos e sufocantes.
A cada camada de asfalto, a cada edifício que se ergue como se quisesse tocar o céu, e a cada casario derrubado, é como se mais um pedaço da memória fosse dobrado e ocultado, como se a história, envergonhada, se encolhesse diante da velocidade de nossos dias.
Entretanto, essa desconexão não é apenas material; estende-se também às nossas almas.
Ao esquecermos as fundações sobre as quais caminhamos, perdemos parte de nossa própria identidade: o senso de pertencimento, o fio invisível que liga gerações e confere sentido à nossa existência. Sem memória, a cidade reduz-se a mero cenário; sem história, seus habitantes tornam-se apenas passageiros apressados.
E, no entanto, há uma saudade que resiste — silenciosa e viva — como a brisa que vem contornando a Cotinga.
É uma nostalgia de tempos que não vivemos, mas que sentimos pulsar em cada muro descascado, em cada sombra de beco esquecido. Mas ainda há aqueles que, em meio à pressa cotidiana, ainda param para escutar o sussurro das pedras e imaginar os passos antigos que moldaram esta cidade.
Recordar, nos dias de hoje, é um ato de resistência.
É escavar, com as mãos, a história soterrada; é reconectar a cidade ao seu próprio coração.
É recusar que a modernidade se edifique sobre escombros, exigindo que ela caminhe lado a lado com aquilo que a fez nascer.
Cumpre-nos, caro leitor, lembrar quem somos, de onde viemos e, sobretudo, quem veio antes de nós.
E, então, indagar-nos, com humildade: seria possível, de fato, abandonar toda essa história?
Seria prudente proceder assim?
Afinal, a maior riqueza de Paranaguá reside nela mesma — na alma viva da Velha Paranaguá.