Convido você leitor nesta semana a viajar no tempo comigo, e conhecer a “Benzedeira”.
Emereciana era uma mulher negra idosa, alforriada, cuja idade exata ninguém sabia ao certo. Dizia-se que tinha aproximadamente cem anos, embora não houvesse confirmação precisa, residia no Campo Grande.
Seu passado era envolto em mistério. Contava-se que o comerciante Juca Juvêncio a havia comprado em um leilão de escravos no Porto de Santos.
Pouco sabemos de sua origem, exceto que veio de Angola e que, ao chegar ao Brasil, falava um dialeto africano incompreensível. Com o tempo, aprendeu a língua portuguesa.
Figura enigmática, Emereciana era muito conhecida em Paranaguá como uma renomada benzedeira, curandeira e parteira. Muitas pessoas, incluindo membros da elite da cidade, recorriam aos seus serviços. Ela possuía vasto conhecimento sobre plantas e ervas medicinais da região.
Em uma época em que médicos eram escassos, tanto escravizados quanto senhores buscavam sua ajuda. Dizia-se que curava ferimentos, afastava o mau-olhado e receitava chás com propriedades terapêuticas. Circulavam diversas histórias sobre suas habilidades, como a de um jovem escravizado que, diagnosticado com um grave problema intestinal e já desenganado, recuperou-se após receber seus cuidados.
Diziam que ela até podia evitar através de suas simpatias a mãe do corpo, que era quando nascia um natimorto.
Certa vez, um menino dirigiu-se ao consultório do Dr. Leocádio para pedir ajuda para a velha curandeira, que se encontrava gravemente enferma. O médico, que ouvira falar dela desde a infância, mas nunca a conhecera pessoalmente, seguiu o garoto até sua humilde moradia no Campo Grande.
Ao chegar, encontrou Emereciana deitada sobre uma esteira no chão batido. Seu corpo franzino evidenciava a fragilidade imposta pelos anos. Ao avistá-lo, ela fez um gesto impreciso e, com esforço, murmurou:
“— Vosmecê veio ver a preta velha que já está quase no fim… Vosmecê é um menino muito bom…”
Tentando erguer-se, continuou:
“— Sei que estou fraca e que meu tempo está acabando… Mas ele me disse que vosmecê viria me ver antes de eu partir.”
Intrigado, o doutor perguntou a quem ela se referia.
Talvez se referisse a alguma entidade espiritual ou a um delírio provocado pela febre.
“— Doutor, ele disse que, antes de eu partir, vosmecê viria mais vezes… Tempos difíceis se aproximam, e vosmecê precisará de muita ajuda para atender a todos.”
Exausta, recostou-se na esteira, como se fosse adormecer. O Dr. Leocádio, comovido pela cena, afagou-lhe a testa e declarou:
“— Mandarei um rapaz trazer alimentos e um remédio para misturar na comida. Descanse. Retornarei para vê-la em breve.”
Todos os dias, o médico enviava mantimentos e medicamentos para Emereciana. Contudo, certa manhã, a velha curandeira não se levantou. Coube ao próprio Dr. Leocádio organizar seu enterro.
No dia da cerimônia, uma multidão compareceu ao cemitério, disputando um espaço para prestar-lhe a última homenagem.
E, você caro leitor, conhece alguma benzedeira em Paranaguá.
CORREIA, Rubens. Dr Leocadio História de uma Vida. Curitiba: [s. n.], 1995.