Por: Kátia Muniz
Preciso lhe dizer: “Estou indo embora”. Vou, mas com a absoluta certeza de que fiz tudo o que me foi possível para manter nosso relacionamento funcionando harmonicamente. Chega uma hora que tudo transborda e, foi aí que me dei conta, desde o início remei sozinha. Portanto, entrego os remos e é de suma importância que entenda: mulheres também cansam.
Poderia aproveitar a calada da noite e sair de fininho. Você, ao acordar, não me encontraria ao seu lado, na cama. Então, olharia os armários e se depararia com todos vazios. Mas isso parece cena de filme, capítulo de novela, e prefiro a honestidade de encarar os seus olhos. Sou íntegra até no adeus.
Muitos homens somem. Abandonam suas parceiras grávidas, os filhos, a casa e todos os sonhos que projetaram juntos. Ganham o mundo porque se apaixonaram novamente, porque querem a tão sonhada liberdade de volta, porque não sabem lidar com determinados enfrentamentos. Mais fácil fugir para as montanhas, para o bar da esquina, para qualquer lugar em que não precisem encarar os fatos.
A sociedade costuma fazer vista grossa para essa atitude masculina. Eles podem. Quanto à mulher, cabe juntar todos os cacos e se refazer, sem descuidar dos filhos e de todas as obrigações e responsabilidades.
Não venha atrás de mim com sua agressividade pulsante, querendo se impor usando a força física. Não me amedronte e nem me ameace com palavras, muito menos vá buscar a arma escondida no fundo do armário. Aprenda a lidar, de uma vez por todas, com suas fraquezas que brutalidade nenhuma é capaz de mascará-la.
Aceite que estou indo embora. Também tenho o direito de respirar ar puro, de resgatar a minha identidade, de ser eu novamente. Cansei desse ambiente asfixiante.
Não estou indo embora por outro. Estou indo por mim. A liberdade atende pelo meu próprio nome.
E como me chamo?
Ana, Letícia, Daniela, Eliza, Marina, Bianca, Amanda, Cristina, Maria.
Tenho o nome de todas aquelas que ainda não tiveram a coragem de girar a maçaneta da porta, paralisadas pelo medo da reação do companheiro.
Tenho o nome de todas que foram embora, mas que, infelizmente, engrossaram a estatística do feminicídio.
E é em nome de todas que digo: “Apenas deixe-me ir”.