Crônicas

A janela

Tenho olhado a vida pela janela do meu apartamento. Durante o dia, carros e pessoas circulam, em menor escala, é importante ressaltar. À noite, precisamente, às 20 horas, é preciso ...

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Tenho olhado a vida pela janela do meu apartamento. Durante o dia, carros e pessoas circulam, em menor escala, é importante ressaltar. À noite, precisamente, às 20 horas, é preciso que cada um esteja dentro de sua casa. Então, as ruas recebem um silêncio que eu ainda não tinha presenciado nesse meio século de vida. Não assim tão cedo. Essa medida tem nome bonito: “toque de recolher”. Soa poético, mas é ordem. Requer obediência. É um decreto municipal que atua na prevenção da pandemia.

A vida reclusa e a mudança nos hábitos ocasionados pela quarentena, por conta do vírus que ninguém vê, mas que promove estragos, tem sequestrado o meu sono em algumas noites. Pagaria o resgate sem pestanejar. Sou feliz dormindo. Cravando oito, nove, dez horas de sono ininterrupto e, melhor de tudo, com direito a sonhos coloridos. Esbanjo criatividade nos sonhos e não sou chegada a pesadelos. Mas descobri, recentemente, que insônia é um tipo de pesadelo. Não encontrar o botão de desligar tem sido um suplício.

Passar a noite em claro faz os mais singelos pensamentos ganharem peso. Assim sendo, arrasto correntes madrugada afora, o cérebro não descansa e eu que, comumente, penso demais durante o dia, agora dei para fazer horas extras noturnas. Resultado: levanto exausta e com o humor alterado. São os reflexos psicológicos da reclusão. São consequências da quebra da minha rotina. 

Procuro me ocupar. Leio, ouço música, vejo filmes, assisto a programas de entrevistas pelo YouTube, organizo a casa e a vida. Hei de sair com um pouco mais de conhecimento desse isolamento.

Porém, para algumas pessoas, o ato de isolar-se tem sido um verdadeiro exercício de disciplina. Adequar-se a um novo modo de vida, incluindo restrições à mobilidade, pode causar impacto psicológico. 

Um dia desses, ouvi o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, dizer numa coletiva: “Tô tomando muito chá de camomila. Tomem também.” O tal chá tem propriedades que ajudam a acalmar o sistema nervoso, proporcionando sensação de bem-estar e tranquilidade. Parece, realmente, surtir resultado, pois a sua fala denota calma e equilíbrio, mesmo estando no olho do furacão.

Enquanto escrevo esse texto, o sol reina absoluto e majestoso. Meus olhos encontram um pedacinho do Rio Itiberê que, agora, tem suas águas agitadas pelo navegar de um barco de pesca. Você não pode me ver, caro leitor, mas estou aqui, olhando a vida da janela do meu apartamento, com um caderno e uma caneta nas mãos; enquanto, ao meu lado, repousa uma xícara de chá de camomila, na esperança de que meu sono me reencontre à noite.

A janela

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Kátia Muniz

Kátia Muniz é formada em Letras e pós-graduada em Produção de Textos, pela Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (hoje, UNESPAR). Foi colaboradora do Jornal Diário do Comércio por sete anos, com uma coluna quinzenal de crônicas do cotidiano. Nos anos de 2014, 2015 e 2016 foi premiada em concursos literários realizados na cidade de Paranaguá. Em outubro de 2018, foi homenageada pelo Rotary Club de Paranaguá Rocio pela contribuição cultural na criação de crônicas.