No ano de 1840, a política em Paranaguá, então parte da Província de São Paulo, dividia-se entre conservadores e liberais, com cada grupo seguindo uma rígida disciplina.
A ética política baseava-se na lealdade e respeito aos ideais partidários, sem comprometer a cordialidade entre os membros de diferentes partidos. A honestidade era o lema. Fiéis aos seus princípios, os políticos desprezavam as deserções. Aqueles que abandonavam seu partido para ingressar no adversário eram chamados de “vira-casaca” e eram desprezados pelos antigos e novos aliados. Com o tempo, o conceito de “vira-casaca” mudou. Hoje, as trocas de partido são comuns e vistas como naturais. Contudo, em 1842, a lealdade partidária era um valor inabalável, que raramente se violava. Além da lealdade ao partido, havia respeito pelo adversário. Relatos da época indicam que adversários transportavam atas eleitorais para cidades distantes, sem que houvesse qualquer registro de extravio ou má-fé. Apesar dessa regra de honestidade, havia exceções. Em 1840, um episódio que rompeu com essa norma foi o roubo de uma urna eleitoral na Igreja Matriz. Naquela época, as eleições ocorriam nas igrejas, o que conferia solenidade ao processo, respeitado pelo caráter sagrado do local.
O sistema eleitoral era indireto, e os eleitores — homens de destaque na sociedade local — eram responsáveis pela escolha de deputados e vereadores. Em Paranaguá, havia uma votação para substituir o padre Gregório José Lopes Nunes pelo padre Joaquim Anselmo de Oliveira. Durante um momento em que a urna ficou sem vigilância, ela foi roubada. Esse incidente gerou grande comoção na cidade.
O ano de 1842 também foi marcado por uma denúncia contra o padre Gregório, acusado de “péssimos costumes”. No entanto, não foram encontradas provas de má conduta. Há indícios de que interesses políticos estivessem por trás das tentativas de remover o padre Gregório da paróquia, entregando-a a outro sacerdote. Talvez esse tenha sido o motivo para o roubo da urna. Segundo a tradição, o padre Gregório chocava seus paroquianos com uma façanha perigosa: caminhava pela beira do telhado da Matriz, de uma janela a outra, em uma demonstração de equilíbrio impressionante. Se não fosse loucura, seria uma inconsciente despreocupação com o perigo.
O fato é que a denúncia contra o padre não foi levada adiante, nem pelo bispo, nem pelo governo, o que indica que sua conduta não era tão reprovável quanto alegavam os reclamantes.
E, você leitor, ficaria cuidando da urna naquele distante 1842 para que não a levassem?
JUNIOR, Nascimento. O Roubo da Urna. Revista Trimestral , Paranaguá, ano 9, v. 1, n. 9, p. 1-40, 1 jun. 1956.