Trocava mensagens com uma poetisa, quando ela me confessou ter uma série de poemas que seguiam uma linha sensual e sedutora, mas que os mantinha engavetados porque ainda lhe faltava a coragem em expor. O receio era: como os leitores iriam agir? Ela pensou até em criar um pseudônimo para liberar o conteúdo guardado a sete chaves.
Eu a entendi perfeitamente. Numa época, também me atrevi a desenvolver algumas criações cujo tema era a sensualidade. Gastava horas escolhendo as palavras, com cuidado, para que nada pesasse ou ficasse vulgar. E, realmente, consegui. Achei o trabalho elegante. Liberei umas três ou quatro composições numa rede social e esperei o rugido dos leões.
Havia uma divisão clara entre os meus leitores. Os homens se alvoroçaram, gostaram do que leram, elogiaram e, com a discrição que tão bem lhes cabe, enviaram-me mensagens de incentivo. Trocando em miúdos: queriam mais “lenha na fogueira”. Entre as mulheres surgiram dois times: as que entenderam tratar-se de pura criação artística e literária e, as que não. Estas sussurraram à boca pequena, com ar de espanto, ao que tinham lido:“Você viu sobre o que ela escreveu!”.
O burburinho todo se deu com a seguinte frase de minha autoria: “Tuas curvas são convites para passeios febris”. A escrita vinha acompanhada de uma foto artística com um resultado sofisticado e longe de ser apelativa. Mas, infelizmente, para alguns, a combinação foi explosiva.
Como veem nossa liberdade é muitas vezes vigiada. Em pleno século XXI, alguns ainda controlam os nossos passos, nossos comportamentos, nossas atitudes, nossas ações e também a nossa escrita.
Claro que provém da maneira como as mulheres foram criadas. Muitas chutam o balde, não estão nem aí para o julgamento alheio, enquanto outras, recolhem-se, reservam-se, seguem a cartilha das convenções aceitas e sacramentadas pela sociedade, exigindo este mesmo comportamento de todas.
Estamos no mês alusivo ao Dia Internacional da Mulher. Temos muito o que comemorar. Os avanços seguem a todo vapor, mas sabemos que ainda há muito a se fazer.
Ainda sonho com o dia em que minha amiga poetisa poderá, enfim, liberar seus poemas para o mundo, sem precisar se esconder atrás de um pseudônimo, de uma identidade que não lhe confere veracidade. De nada adianta ter o dom da arte se não podermos ser nós mesmos.
Que seus versos ganhem alforria, ventilem, respirem. A arte é para ser vista e apreciada, jamais escondida.
Mas, na condição de mulher, sei que entre o que idealizo e o que realmente acontece e se concretiza ainda há muito a se galgar.