A comunidade escolar da cidade de Suzano/SP viveu, na última semana, dias de desespero e tristeza, após dois ex-alunos invadirem a escola, matar oito pessoas e se suicidarem na sequência. Há indícios de que o massacre realizado pela dupla, formada por um adolescente de 17 anos e um amigo de 25, tenha sido inspirado em um jogo de videogame. A polêmica chamou a atenção da sociedade, que busca entender quais os fatores que motivaram esse atentado.
A psicóloga e neuropsicóloga, Caroline Chiarelli Colle, explicou que não é possível estabelecer uma correlação significativa entre os jogos e atos de violência como o ocorrido em Suzano. “Os comportamentos influenciam no que se refere às questões emocionais e relacionais. Pessoas que passam horas jogando jogos violentos estão mais propensas a serem mais irritadas, a terem pensamentos mais negativistas, a serem mais imediatistas e a terem dificuldades nas relações interpessoais”, disse Caroline.
Segundo ela, não há como afirmar que foi influência dos jogos, pois há vários adolescentes e jovens que jogam e não possuem traços violentos.
“Há vários outros fatores envolvidos que influenciam tais atos como pessoas que apresentam psicopatia, traços antissociais, traços narcisistas ou transtornos de personalidade. Poderia se dizer também que foi pelo bullying que sofreram, mas estudos apontam que sofrer bullying está mais relacionado a casos de depressão e ansiedade do que a comportamentos violentos”, observou Caroline.
Como profissional, Caroline identificou, no caso de Suzano, que os adolescentes tinham a vontade de ser vistos como heróis ou de serem reconhecidos. “Para isso, basta a mídia deixar de enfatizar as pessoas que cometeram o ato, e falarem mais sobre a história das vítimas, das pessoas que ajudaram, dos policiais e médicos envolvidos”, acredita a psicóloga.
“O diálogo deve sempre ser priorizado ao autoritarismo. Precisamos mostrar que entendemos o que eles passam, pois passamos por esta fase também, e acolhê-los”, enfatizou a psicóloga Caroline Chiarelli Colle
SINAIS QUE MERECEM ATENÇÃO
Alguns sinais podem indicar que há algo errado com a criança ou adolescente como, por exemplo, quando há a preferência pelo jogo em detrimento a momentos de lazer com a família e amigos, quando apresentam comportamento irritadiço ou de pouca paciência, quando preferem jogar a se alimentar ou dormir ou quando o rendimento acadêmico cai.
“Enfim, são alguns sinais a que os pais precisam estar atentos e modificar rotina se preciso for. O diálogo deve sempre ser priorizado ao autoritarismo. Precisamos mostrar que entendemos o que eles passam, pois passamos por esta fase também, e acolhê-los. Escutar o que eles têm a dizer. Ouvir seus anseios e angústias. Muitos pais vão dizer que os filhos não são de falar muito, mas também nós, enquanto pais, não insistimos. Acolhimento, empatia e afeto são imprescindíveis nas relações com os filhos”, afirmou Caroline.
DIVERSÃO SAUDÁVEL
Diante de uma situação como esta, muitos pais podem pensar qual seria o limite de horas diárias que crianças e jovens devem jogar para que seja uma diversão saudável, sem danos emocionais. Até os dois anos de idade, a Academia Americana de Pediatria não recomenda o uso de nenhum componente de tela. “Nesta fase, eles devem estar voltados ao desenvolvimento sensório motor, explorar ambientes, se adaptar ao mundo que estão descobrindo e já aprender sobre as relações afetivas”, orientou Caroline.
Para crianças de 2 a 6 anos, é recomendável um tempo de 1h a 2h, no máximo, de exposição. Crianças de 7 a 12 anos, o ideal é acrescentar no máximo 1h, tendo o total de 3h. “Nestas fases, os pais devem acompanhar bem de perto o que seus filhos estão assistindo no YouTube (inclusive youtubekids), pois há vídeos que deixam as crianças amedrontadas. Só ano passado, atendi em média 15 crianças que vieram para terapia pelo mesmo motivo: medo. A história da Momo, da loira do banheiro e do coelho e urso que aparecem e dão sustos foram algumas histórias relatadas pelas crianças. Histórias estas que viram em vídeos e em jogos eletrônicos”, alertou a psicóloga.
Para os adolescentes, o que deve ter prioridade são as relações sociais, atividades físicas/esportivas e a rotina de sono e de boa alimentação. Esses hábitos podem contribuir para um melhor desenvolvimento escolar, bem como prepara melhor para a vida adulta. “Nesta fase, há duas recomendações que priorizo: computador e videogame devem estar na sala e não no quarto dos adolescentes. Assim, os pais conseguem acompanhar melhor a que tipo de conteúdos eles estão expostos, bem como o tempo despendido nos componentes de tela; e, segundo, se fazer cumprir o tempo limite nos componentes de tela”, ressaltou Caroline.
“Os pais devem cuidar do desenvolvimento de seus filhos e proporcionar ambiente saudável de acolhimento e diálogo, pois a exposição constante e rotineira aos componentes de tela pode ocasionar danos físicos e socioemocionais aos adolescentes e jovens”, destacou.
PSICOLOGIA NAS ESCOLAS
Discute-se muito a importância da psicologia dentro das escolas para trabalhar as questões emocionais dos estudantes. Caroline acredita que é fundamental, pois assim é possível trabalhar alguns temas em grupo como o bullying, por exemplo, enfatizando a empatia como forma de lidar nas relações interpessoais.
“Pode-se também pensar em grupo de pais para orientá-los em alguns casos, bem como reforçar as relações de afeto e acolhimento com seus filhos. Levar todos a ter um olhar mais atento e a procurar ajuda antes que o pior aconteça. Há muitos casos de crianças e adolescentes que estão se cortando e os pais nem sabem o que se passa. Isso precisa ser conversado e trabalhado. E quando acontecimentos como o de Suzano surgem, a psicologia pode contribuir por meio de rodas de conversa, para trabalhar os aspectos emocionais que causam, como a angústia, tristeza, medo e incertezas”, finalizou a psicóloga Caroline.