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Entrevista

Promotora de Justiça aborda o tema violência sexual contra crianças e adolescentes

Susana de Lacerda explica quais situações caracterizam essa forma de crime

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A promotora de Justiça Susana Broglia Feitosa de Lacerda concedeu entrevista ao Ministério Público sobre violência sexual contra crianças e adolescentes. Os números referentes a esse tipo de crime impressionam: somente em 2016, segundo informações da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, o Disque 100, que atende esse tipo de denúncia, recebeu 37 mil notificações relacionadas a crimes do gênero, sendo quase 40% dos casos ligados a vítimas de até 11 anos de idade.
Durante a conversa, a promotora explica quais situações caracterizam essa forma de crime, fala das penas a que os agressores estão sujeitos, destaca a importância da palavra das vítimas no processo e comenta os desafios para o combate a essa forma de violência. 
Apenas o MPPR, de 2012 até maio do ano passado, ofereceu quase 8 mil denúncias relacionadas a crimes sexuais contra crianças e adolescentes.

MP: A senhora poderia nos falar sobre as diferentes formas de violência sexual? 

Promotora Susana: Infelizmente, esta violência sexual contra crianças e adolescentes ocorre de diversas formas. Podemos falar em abuso, que ele pode ser apenas uma apalpação, uma bolinação, aquilo que chamamos de sexo digital, até uma relação sexual, expor esta criança a um conteúdo de pornografia, ou que esta criança participe de uma cena de pornografia. A exploração desta criança trazendo para o sexo com oferta de dinheiro ou uma benesse, então no nosso trabalho assistimos a todas estas formas, ou seja, uma apresentação da sexualidade ou em um momento que não é para ser apresentada ou como uma comercialização do sexo. 

MP: Quem pratica esses atos de violência responde por qual tipo de crime e quais são as penas? Como são casos variados podemos falar das menores e das maiores?

Promotora Susana: Antes de falarmos da pena em si, um ponto importante e lamentável de se falar é que a maioria dos abusos acontecem dentro de casa, ou por pessoas de confiança ou por pessoas muitos próximas. Vamos pensar assim: pais, avós, tios, padrastos, vizinhos ou amigos de confiança. Nesta faixa etária menor de 14 anos, em especial as meninas, por uma cultura machista que nós temos. Temos penas muito severas em relação a esses crimes. Por exemplo: manter uma relação sexual, ou ainda que não haja uma relação sexual, apalpação, sexo digital, sexo oral pode configurar o crime de estupro e tem uma pena alta de 8 a 15 anos.
A exploração tem uma pena de 4 a 10 anos, atrair uma criança ou adolescente para o sexo pode ter uma pena de 2 a 4 anos. Então existem vários tipos penais que enquadram esta conduta que vai atrair esta criança/adolescente impróprio para um abuso sexual.

MP: Como enfrentar este tipo de crime?

Promotora Susana: No momento que este abuso vem à tona, toda a estrutura familiar desta criança e deste adolescente de repente é demolida, é estragada. Se este padrasto é pai de um de seus irmãos, ela vai assistir a um sofrimento deste irmão com a revelação, muitas vezes da mãe que vai perder o companheiro, poder haver um sofrimento econômico, uma mudança de vida, ou num caso mais radical em que ela seja afastada do lar ou vai para um abrigamento, pois não há uma condição para ela permanecer na casa. Então a revelação de algo que está acontecendo com ela vai gerar uma total desestruturação da vida dela. Além de ela ser vítima, ela vai se sentir culpada por várias coisas que vão acontecer. Então revelar o abuso gera na criança/adolescente um encargo a várias coisas da vida dela, até mudar de escola ou perder os amigos, ou ser apontada como a menina que foi abusada. Enfim, é um prejuízo muito grande e que a sociedade olha com desconfiança a adolescente que faz a revelação. 

MP: A partir de sua experiência como promotora de justiça que atua especificamente nesta área, quais são as dificuldades para se apurar os fatos de abuso ou violência contra as crianças e adolescentes?  

Promotora Susana: Como a maioria dos casos ocorre dentro do ambiente familiar, ou dentro do ambiente que teoricamente seria protegido, é descobrir a ocorrência deste crime e, muitas vezes, a quem a criança confia e quem a criança espera que a proteja. Muitas vezes são aquelas pessoas que praticaram o delito, que praticaram o crime. Reside aí a nossa dificuldade. É importante que os leitores tenham a clareza que muitas vezes este crime sexual não deixa a marca e na realização de um exame, ele será negativo. Não será por isso que o crime não aconteceu. A dificuldade é que primeiro, via de regra, é um crime que ninguém vê, pois acontece entre quatro paredes, por pessoas que são dignas de confiança, por pessoas que muitas vezes têm um comportamento social que é acima de qualquer suspeita, vão à igreja, possuem uma família e possuem relacionamento social com amigos, não tendo um comportamento que leve a crer que pratique este tipo de delito. E também há uma crença de que a criança é mentirosa. Porque muitas vezes a criança mente em relação a algumas coisas como não quebrei um copo, eu não bati no meu irmão, eu não estraguei a toalha da mesa de casa, agora o que todos precisam compreender é que quando uma criança faz um relato de um abuso de uma experiência de algo que ela não viveu, uma experiência que ela não conhece, como o ato sexual, ela vai trazer sensações e elementos neste sentido, ela está fazendo um relato verdadeiro e ela tem que ser acreditada. Trago um questionamento, por que quando se traz um relato de um crime contra o patrimônio, como por exemplo: pegaram a minha caneta, ninguém duvida deste relato? Mas quando uma criança diz eu fui bolinada, mexeram na minha parte íntima, por que as pessoas descredibilizam e não dão atenção a este relato. Então é muito difícil trabalhar nesta área por todos estes elementos apresentados.  

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