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Direito & Justiça

Promotor fala de crimes ligados a discursos de ódio na Internet

“O discurso de ódio é uma manifestação que provoca um efeito silenciador, uma escravização, um efeito hierarquizado de forma que oprime e vulnera grupos”, diz o promotor Bruno Dantas (Foto: MPPR/Divulgação)

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Saiba como denunciar essa forma de violência e se proteger

As redes sociais tornam-se palco para muita gente destilar discursos de ódio. São comuns as notícias de pessoas ofendidas por comentários que vão desde piadas de gosto duvidoso até a insultos racistas de celebridades e pessoas comuns expostas por causas de fotos e ofendidas de forma gratuita por alguns internautas.

O MP no Rádio, um programa do Ministério Público do Estado do Paraná, trata de um tema cada vez mais atrelado ao relacionamento da sociedade com a Internet e as redes sociais: os discursos de ódio veiculados nesse tipo de ambiente.

Afinal, qual o limite entre o comentário de “opinião” ou “piada” e o crime? Como denunciar essa forma de violência e se proteger?

Para responder a essas e outras questões, foi realizada uma entrevista com o promotor de Justiça Bruno Figueiredo Cachoeira Dantas, do Ministério Público do Paraná, o qual esclarece esses limites nas redes sociais, por exemplo. Confira:

Nesses tempos em que as pessoas têm à disposição muitos meios para tornar pública a sua opinião, quais são os limites legais para manifestação de pensamento? Tudo é liberado ou não?

Dr. Bruno Dantas: Precisa a gente estabelecer desde já que a nossa Constituição relata uma transição constitucional de um período Ditatorial em que passamos para um período de natureza democrática. E junto a isso nós temos como um irmão verdadeiramente, que é a liberdade de expressão. E o professor Timóteo usa uma expressão que me chama muito a atenção quando fala de liberdade de expressão aliada à Constituição Federal, que seja a nossa Constituição mais comunicativa porque ela dá a força e a garantia necessária para que possamos explanar o pensamento. Porque a liberdade de expressão nada mais é que a troca de experiências, o que faz um processo contínuo de aprendizagem dentro da sociedade. Sendo que, ao mesmo tempo, essa Constituição fomenta a liberdade de expressão, essa Constituição trata a liberdade de expressão de maneira responsável. Ao mesmo tempo que fomenta a liberdade de expressão, é necessário que seja vedado o anonimato, é necessário garantir o direito de resposta, isonomia e justamente muito mais importante vedar todo tipo de comportamento que lesiona, escraviza, que inibe grupos vulneráveis. Então ao mesmo tempo que essa liberdade é fomentada, ela é protegida, ela tem que ser exercida de forma responsável para que não produza um efeito escravizante no meio social.

Onde termina a opinião ou a piada e começa o crime?

Dr. Bruno Dantas: Quando nós falamos em discurso de ódio, comportamentos que geram ódio, nós temos que entender os limites. Basicamente, em termos criminais, nós temos a configuração que pode gerar essa conduta um crime de racismo ou os crimes contra a honra, estabelecidos no Código Penal. É bom olhar para a nossa própria Constituição: quando nós estabelecemos como um dos nossos fundamentos o princípio da dignidade da pessoa humana e principalmente nosso objetivo enquanto República, que é a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária. Todas as vezes que essa conduta inicialmente pode ser compreendida como uma piada venha a ofender a dignidade da pessoa humana e, principalmente, convergir para que essa sociedade não seja livre, mas escrava, quando não seja justa, mas desigual, e não seja solidária, mas egoísta, é quando termina o que é piada e começa o que é crime.

O senhor falou sobre crimes contra a honra. Eles seriam calúnia, injúria e difamação. Se acontecer uma dessas situações é considerado crime previsto na Legislação?

Dr. Bruno Dantas: Exatamente. Vamos lembrar um caso julgado em 2004, em que o Supremo Tribunal Federal deixou muito claro que o discurso de ódio não integra a liberdade de expressão no nosso ordenamento jurídico. Naquela oportunidade verificou-se que a vedação do discurso antissemita, a vedação do discurso de desigualdade, em que essa comunicação que ofende a raça, essa conduta pode gerar um crime de racismo.

A primeira postura de uma pessoa quando se sente atacada é procurar o Sistema de Justiça e a Delegacia de Polícia para que haja a lavratura de um Boletim de Ocorrência (Foto: Business Insider)

O que são crimes de ódio?

Dr. Bruno Dantas: O discurso de ódio é uma manifestação que provoca um efeito silenciador, uma escravização, um efeito hierarquizado de forma que oprime e vulnera grupos que, muitas vezes, já têm problemas de natureza social de expor seu pensamento. O discurso de ódio é manifestado com o intuito de provocar ainda mais escravização para grupos que historicamente já têm sua liberdade restringida. O crime de ódio é quando essas condutas de ódio adentram a conduta de natureza criminal.

Quais são as consequências quando alguém faz alguma postagem ou comentário indevido nas redes sociais de cunho racismo, homofóbico, misógino?

Dr. Bruno Dantas: Nós temos uma Constituição que fomenta o discurso. No entanto, essa liberdade de expressão de natureza responsável, como já foi comentado, ela requer que alguns comportamentos passam dos seus limites de natureza moral e legal tenham consequências legais, principalmente quando isso gera efetivo perigo a grupos que tenham seus direitos lesionados. Essas consequência podem ficar na área penal, com a configuração de uma área criminosa como na área cível, como um abuso de direito. Na área cível pode ser que tenha algum tipo não só como reparação a título de dano moral, como também efeitos processuais, que é a possibilidade daquela matéria ou comentário sejam retirados de veiculação se assim for o entendimento naquele caso concreto.

Na prática, é comum acontecer essas consequências?

Dr. Bruno Dantas: Recentemente, nós temos um julgado pelo STJ do ex-presidente Collor de Mello em que uma matéria jornalística foi divulgada e inclusive houve uma reparação porque se verificou que aquela matéria não tinha a veracidade, o dever legal de conhecimento. Então é possível que na prática uma matéria ou manifestação de pensamento tenha um fim para trazer mentira ou uma “fake news”, haverá uma condenação ou reparação.

O que deve fazer uma pessoa que for vítima ou atacada com comentários e postagens de ódio nas redes sociais? A quem recorrer?

Dr. Bruno Dantas: A primeira postura de uma pessoa quando se sente atacada é procurar o Sistema de Justiça e notadamente a Delegacia de Polícia para que haja a lavratura de um Boletim de Ocorrência para que o Sistema de Justiça possa tomar conhecimento que aquela ação foi provocada. Para que dentro do Sistema de Justiça seja aferido qual foi o tipo de conduta e dano gerado naquela determinada situação.

E como uma pessoa pode gerar prova disso? Basta fazer o “print” da página, ir ao Cartório?

Dr. Bruno Dantas: A partir do momento que usamos a rede social para expressar o nosso pensamento, a partir do momento que aquela opinião está em uma arena de debates, ela está externando para a arena pública. Então é possível que a pessoa leve essa veiculação para o Sistema de Justiça; pode ser um print, com uma foto, pode ser que seja veiculado em jornal ou revista. Claro que hoje essas veiculações são mais feitas pela Internet então nós orientamos que esse material possa ser levado ao conhecimento da Justiça.

Recentemente, foi noticiado um caso de uma pessoa que teve que pagar indenizações por danos morais por cometer bullying no WhatsApp. Então isso vale também para o WhatsApp?

Dr. Bruno Dantas: Na verdade quando nós vamos falar em termos do dano, nós pensamos que essas circunstâncias que são veiculadas, como, por exemplo, os próprios crimes contra a honra, existem circunstâncias que tornam o delito mais grave se o meio que a pessoa utilizou para divulgar aquela ofensa tem uma possibilidade se tornar de maior amplitude. O que é interessante é que o grupo do WhatsApp passou a ser uma questão social. A mesa do bar, da família, o momento de discussão, hoje se tornou o grupo de WhatsApp. Ele se transformou em uma esfera pública de discussão.

 

Com informações do Ministério Público do Paraná

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